domingo, 6 de setembro de 2009

Cidade Perfeita, última parte (De Érica Sierra)

Andando por ruas e becos encontro pessoas que me olham e me julgam. Quando me avistam sinto vontade de correr ao infinito, jogar-me de um abismo ou ter minha cabeça explodida. O olhar destas pessoas é um olhar simples, sem mistério, pois é vazio, ou melhor, sem profundidade. É um olhar mau, um olhar de diabo. Neste momento sinto algo que nunca havia sentindo antes, algo que me faz recuar, que me faz sentir-me inferior, como se agora houvesse limites para mim, sinto medo. O arrepio é tanto que dói, meus pêlos parecem querer fugir de mim. Estas pessoas observam-me como se eu fosse algum tipo de aberração por ser ingênua, por ser bondosa, elas olham em meus olhos abismais como se eu fosse pecante .Elas olham-me, odeiam-me ,assustam-me. Olhos grandes e mortos me cercam, sinto-me nua, sinto-me diferente, pois eu odeio estas pessoas, estes demônios. O vento está gelando e o céu escurecendo. Está na hora de voltar para casa, tento olhar onde estou, porém não reconheço mais minha cidade perfeita. Estou rodeada de pessoas com olhos furados. Tenho tanta raiva delas,uma raiva de tão exacerbada que eu anseio meus olhos furados também. Elas sorriam para mim. Meu Senhor!Que horror!Tire-me deste lugar onde não há perfeição alguma!Estas pessoas são mais que amedrontadoras, elas são fantasmas do meu passado ainda não vivido. Ainda sou uma criança dando seus primeiros passos. Ainda sou uma criança dando seus últimos passos. Elas continuam à espreita, sorrindo parecem desejar-me, querer consumir-me, e, mergulhada no pudor, sinto uma súbita vontade de ser consumida por elas. Repentinamente sinto-me mais velha, mais alta, mais cega. Enceto a ver minha cidade escura, negrejante. Ainda estou cercada de pessoas, elas começam a se aproximar cada vez mais, a tentar tocar minha pele delicada. ‘Não!Afastem-se!’é o que meus lábios pronunciam, porém o que saí de meu coração é: ‘Possuam-me, furem meus olhos, deixem-me crescer, tornem-me vocês!’Desejo, prazer, paixão, lascívia, pecado, amor, tristeza, luxúria, decepção. Coisas que nunca havia sentindo anteriormente agora tomam conta de mim, caem sobre meus ombros sem dó. Não sei se consigo. As pessoas passam as suas mãos imundas pelo meu corpo, tirando minha inocência, minha criancice, minha falsa pureza. As pessoas envolvem-me e eu mais nada vejo meus olhos só abraçam escuro, sombrio. Será que é a noite vem caindo sobre o meu mundo?Escuto uma risada lúgubre. Respiro o ar frio da noite, que gélido congela meu corpo, meu coração. Assim fico assentida que estou cega de mim mesma. Estou farta de um prazer que me mata, que gera algo que habita em meu corpo, que me comanda, que me dá sumiço. Estou farta de prazer, tenho ojeriza a este prazer, mais eu o quero mais que quero a vida. Não obedeço mais a mim, obedeço a ele. Estou farta de prazer, tento bradar que não sou eu que me afundo, mais sou o que está afundando-se no pecado. O meu eu dominado está morrendo e meu eu predominante enterra meus olhos, outrora tão profundos hoje já vazios. A minha meninice já se fora há muito tempo e minha parte mulher já aflorara, aflorara enquanto espicaçava meus olhos. Agora sou o que eu sempre quis, agora sou o que eu nada quis. Agora apenas sou. Érica Sierra Melo.

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