domingo, 13 de setembro de 2009

Mar, Parte II (De Érica Sierra)

Enamorada, só o quero, só o desejo, neste mar que me leva... Que me afunda. Ávida, de olhos fechados não enxergo mais nada, porém mesmo que tentasse olhar para o horizonte eu não conseguiria ver nada além dele, além do mar!Este mar lúbrico, este suplício!Quase no limite (ou será que não existe limites?) chego a perder o prumo, me acho masoquista,pois eu o idolatro,vivo por ele, aliais eu não vivo, apenas sinto.

Sinto a gélida água feroz enervando-se e puxando-me com mais força a cada instante, porém eu já não sinto: o gelo do mar já adormeceu qualquer outro sentimento e eu já sucumbo aos poucos para pertencer e reconhecer apenas á este mar, agora não há mais volta, pois eu já sucumbo aos muitos para viver unicamente deste, porém eu não vivo: apenas sinto meu corpo sendo envolvido e tomado por suas águas, chego a loucura de pensar que estou sendo absorvida por ele.

As águas já cobrem minha cabeça, e enquanto respiro, sinto-as entrando pelas minhas narinas como se o meu interno fosse delas também. Num tentame goro de arrancar alguma última respiração com aquele nariz inundado sinto-me sufocada, pela primeira vez. Com esta abafação veio unido um desespero e que, por um milagre, balançou-me de tal forma que despertei. Eu disse milagre? Enceto a debater-me arduamente, porém aquele sorvedouro é mais forte, e não adiantaria lutar contra ele, pois já há muito tempo estou vencida.

Ao fundo, ao fundo, ao fundo. Vejo meus cabelos amalgamados ás águas. Meus pulmões enchem-se delas. Em mim já não habita o desespero, estou conformada com meu fim. Meus olhos esforçam-se para estarem abertos. Meu fim já não parece ser tão ruim assim. Ele me dilacera, porém me encanta. Meu corpo é fraco, e eu, enlevada, e eu, morta.

Érica Sierra Melo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Mar, Parte I (De Érica Sierra)

Texto meu concatenado a emoção trazida a mim pela frase escrita por Clarice Lispector em ‘Felicidade Clandestina’.


“Eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam”
Clarice Lispector


                                                                      Mar

Extremamente exagerada: apaixonada. Esta paixão,este sentimento que me consome, começo a olvidar de mim, a não pensar por mim, cismar que por mim não vivo mais, a realmente pensar que não vivo mais, apenas sinto: sinto algo que me dá vontade de viver, viver ao lado de alguém que me provoca vontade de sentir. Carrego dentro de mim uma intensa alegria, uma imensa leveza que de tão grande não sou mais capaz de levá-la: ela me carrega, carrega por todos os lugares em todos os momentos, como se eu vivesse flutuando em um mar calmo e límpido, sentindo a água fresca ondulando sob meu corpo lépido, que dança ao ritmo do mar, este mar diferente, este mar róseo, vai ser esvoaçando aos poucos com seu modo tênue de ser, vai me puxando cada vez mais ao fundo, cada vez mais longe.

Eu posso vê-me tendo a certeza que eu não vivo mais, apenas sinto: sito a água batendo contra meu corpo, esta água que agora é gélida, deste mar já escarlate!Mas com nada disso me importo, pois anda me aflige nada me afeta. A sensação de estar ali me compraz, para ser sincera eu só aceito estar ali, eu anseio isto: dormindo,bebendo,comendo,nadando neste mar de amor,este amor pelo qual labuto tanto,este amor que nunca me fatiga ,eu o almejo tanto!Chego a enaltecê-lo ao ponto de malograr a mim, de repelir-me, e talvez por ironia eu me iludisse com a idéia de ser dona deste mar e não percebi que de dona eu não sou nada, eu já sou serva, este mar tomou posse de mim.

Érica Sierra

domingo, 6 de setembro de 2009

Cidade Perfeita, última parte (De Érica Sierra)

Andando por ruas e becos encontro pessoas que me olham e me julgam. Quando me avistam sinto vontade de correr ao infinito, jogar-me de um abismo ou ter minha cabeça explodida. O olhar destas pessoas é um olhar simples, sem mistério, pois é vazio, ou melhor, sem profundidade. É um olhar mau, um olhar de diabo. Neste momento sinto algo que nunca havia sentindo antes, algo que me faz recuar, que me faz sentir-me inferior, como se agora houvesse limites para mim, sinto medo. O arrepio é tanto que dói, meus pêlos parecem querer fugir de mim. Estas pessoas observam-me como se eu fosse algum tipo de aberração por ser ingênua, por ser bondosa, elas olham em meus olhos abismais como se eu fosse pecante .Elas olham-me, odeiam-me ,assustam-me. Olhos grandes e mortos me cercam, sinto-me nua, sinto-me diferente, pois eu odeio estas pessoas, estes demônios. O vento está gelando e o céu escurecendo. Está na hora de voltar para casa, tento olhar onde estou, porém não reconheço mais minha cidade perfeita. Estou rodeada de pessoas com olhos furados. Tenho tanta raiva delas,uma raiva de tão exacerbada que eu anseio meus olhos furados também. Elas sorriam para mim. Meu Senhor!Que horror!Tire-me deste lugar onde não há perfeição alguma!Estas pessoas são mais que amedrontadoras, elas são fantasmas do meu passado ainda não vivido. Ainda sou uma criança dando seus primeiros passos. Ainda sou uma criança dando seus últimos passos. Elas continuam à espreita, sorrindo parecem desejar-me, querer consumir-me, e, mergulhada no pudor, sinto uma súbita vontade de ser consumida por elas. Repentinamente sinto-me mais velha, mais alta, mais cega. Enceto a ver minha cidade escura, negrejante. Ainda estou cercada de pessoas, elas começam a se aproximar cada vez mais, a tentar tocar minha pele delicada. ‘Não!Afastem-se!’é o que meus lábios pronunciam, porém o que saí de meu coração é: ‘Possuam-me, furem meus olhos, deixem-me crescer, tornem-me vocês!’Desejo, prazer, paixão, lascívia, pecado, amor, tristeza, luxúria, decepção. Coisas que nunca havia sentindo anteriormente agora tomam conta de mim, caem sobre meus ombros sem dó. Não sei se consigo. As pessoas passam as suas mãos imundas pelo meu corpo, tirando minha inocência, minha criancice, minha falsa pureza. As pessoas envolvem-me e eu mais nada vejo meus olhos só abraçam escuro, sombrio. Será que é a noite vem caindo sobre o meu mundo?Escuto uma risada lúgubre. Respiro o ar frio da noite, que gélido congela meu corpo, meu coração. Assim fico assentida que estou cega de mim mesma. Estou farta de um prazer que me mata, que gera algo que habita em meu corpo, que me comanda, que me dá sumiço. Estou farta de prazer, tenho ojeriza a este prazer, mais eu o quero mais que quero a vida. Não obedeço mais a mim, obedeço a ele. Estou farta de prazer, tento bradar que não sou eu que me afundo, mais sou o que está afundando-se no pecado. O meu eu dominado está morrendo e meu eu predominante enterra meus olhos, outrora tão profundos hoje já vazios. A minha meninice já se fora há muito tempo e minha parte mulher já aflorara, aflorara enquanto espicaçava meus olhos. Agora sou o que eu sempre quis, agora sou o que eu nada quis. Agora apenas sou. Érica Sierra Melo.

Cidade Perfeita, Parte II ( De Érica Sierra)

Nesta mesma energia lanço-me ao chão, contra a macega que domina o local. De olhos fechados sinto o meu coração bater forte sob meu peito ainda não crescido. Posso também ouvir minha respiração fatigada, minha respiração longa e profunda que me trazia uma sensação totalmente agradável e nada menos do que eu merecia. Eu ainda tenho a sensação do fruto suculento melando minhas mãos com seu sumo, tenho vontade sujar meu corpo por inteiro, pois ele faz sentir-me cabal, sentir-me mulher. Aproveitando do meu ermo eu abocanho, sôfrega, aquele fruto imaginário, sentindo toda sua doçura, todo seu mel, descendo-me, acariciando minhas vísceras e se acomodando no mais profundo do meu estômago esperando apenas ser digerido, sorvido, absorvido pelo meu suco gástrico, que o envolverá em sua totalidade, fazendo-o ser degradado aos poucos. O que mais almejava em minha vida, o essencial da minha vida fora destruído, desmaterializado por mim mesma. Eu acabei com ele, agora ele só existia dentro de mim e eu estava mais que jubilosa, mais que satisfeita, mais que compraz: finalmente estava completa. Porém quando eu abri os olhos e vi-me limpa senti uma melancolia dominando-me, que se intensificou no momento que senti meus beiços secos e em minha boca o gosto amarescente. Olhando minhas mãos totalmente ilesas de qualquer sumo, passei-as pelos meus cabelos, descendo-as lentamente pelo meu rosto delicado, sentindo minha pele macia da imaturidade, abandonando meu rosto desci-as ávidas com rapidez chegando aos meus seios, que para evidenciar que todo aquele paraíso havia sido apenas em minha mente, ainda faziam minhas mãos caírem reto caminho ao chão. Acabada, desolada, sorumbática escutei o ciciar das árvores, que de tão leve fizeram-me olvidar por algum instante de tudo que havia passado momentos atrás, se isto fosse possível, e assim ter coragem de deixar minha cabeça erecta e cometer o erro de levantar meus olhos até enxergarem aquilo que tanto me maltratava ,trazendo novamente uma onda de emoções incontroláveis. Para agravar o meu, e somente meu, suplício, ao lado dele vi uma folha se desgarrar de seu galho e volitar, calmamente, até pousar com uma sutileza ímpar no chão. Corri até ela, como se corresse da morte,e peguei-a fortemente, apertando-a contra mim. Ela era minha esperança de fruto. Hoje folha amanhã um sabor envolvente, aliciante. Meu ócio chega ao fim, sinto-me descansada e surpreendentemente o fastio. Sinto a aura roçando leve em minha face, o sol já é amarelo queimado, o céu já é rosado. É o fim de tarde em minha cidade perfeita. Continuando minha jornada, posso crer que estou mais forte, que estou maior. Afano por algo que ainda não imagino o que seja. O tédio me exasperava até espertar-me, pois ainda tenho muito o quê conhecer, pois sou apenas pentelha boba e irrequieta.